quinta-feira, 7 de agosto de 2014

O verão dos olhos negros


A neve já havia assentado há algum tempo, e começava a se aproximar das histórias mais sombreadas do local. Ao caminhar por suas ruas, era possível sentir os anos recheados de narrativas passadas de geração em geração aos ouvidos mais atentos. Apenas alguns eram privilegiados com os séculos de conhecimento acumulado. Àqueles que esperavam a água absorver toda a sabedoria local e formar uma solidez digna de publicação seria permitida a estadia. 
Havia um banco de madeira esquecido diante de tanta brancura. Era fácil esquecê-lo por empalidecer em comparação com a presença iluminada do branco, ou mesmo perdê-lo em meio a tanta desolação abarcada pela neve. Entretanto, o banco foi utilizado por muitos corpos, docemente por uns, agressivamente por outros. Todas as corporificações que coabitaram o banco haviam completado uma frase desajeitada de alguma forma, com suas pernas protegidas do frio pelas calças de lã, com seus problemas de coluna e com seus respingos de café sempre ensurdecedoramente quentes. 
A paisagem nunca seria a mesma. Os feixes da madeira amargavam uma existência fria e solitária na maior parte do tempo, exceto nos raros momentos em que folhas outonais se deixavam deitar em suas farpas pouco apreciadas pelos traseiros que lá descansavam por parcos minutos ou longas horas que se arrastavam pelo horizonte como dois raios de sol na meia luz do despertar da manhã. 
A neve derreteria em um dia longo de verão, fazendo a área em volta do banco parecer um lago, e o banco se assemelhar a uma estrutura popular e atrativa. Um dia de verão. 

*Escrito por Fernanda Marques Granato.

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**As opiniões expressas nesse post são de total responsabilidade do seu autor.**

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